A Black Friday é vista por muitos varejistas como o momento para impulsionar vendas, encontrar maneiras de chegar ao público e aumentar a base de usuários. Mas a Black Friday também ajuda a levar seus negócios para outro nível de maturidade e conhecimento. Uma maneira de fazer isso é colocar o consumidor definitivamente no centro das estratégias e entender que as marcas agora podem fazer parte de ecossistemas em que players coexistem e dependem uns dos outros.
Vamos ver neste artigo como acontece essa transição para a era dos ecossistemas, passando pelos quatro “Es” que definem esse novo momento e entendendo o papel da Black Friday para as marcas que quiserem dar esse passo decisivo nos negócios.
A diferença está na entrega de soluções holísticas
Vou começar dividindo uma história, não como executiva do Google, mas como consumidora.
Depois de voltar a correr, no ano passado, estabeleci uma meta: disputar uma meia maratona. Para isso, busquei muita informação no Google (claro), com amigos, profissionais e em conteúdos online, desde nutrição, passando por planilhas de treinos até o modelo ideal de calçado.
Mas eu me vi sozinha nesse processo. Nenhuma marca entendia que eu era a Gleidys, uma mulher nascida em Votuporanga (SP), pretendente a maratonista, e não apenas uma compradora de material esportivo. Minha jornada de busca por informações foi fragmentada e com interações pontuais apenas.
Foi a partir daí que eu enxerguei uma nova perspectiva de atuação para as marcas. Se entenderem as necessidades de seus consumidores de forma holística, elas podem ser curadoras e conectoras entre outras marcas e serviços para oferecer soluções integradas.
A atuação das empresas antes era limitada por vocação setorial ou capacidade instalada. Agora, passa a ser delineada pelas ofertas de soluções cada vez mais holísticas para as necessidades do consumidor. É como se as empresas que fragmentavam as necessidades das pessoas pudessem vê-las de maneira integral.
Com essa mentalidade, a indústria de automóveis, por exemplo, começa a entender que o consumidor não precisa de um carro, e sim de mobilidade. Ela deixa de ser “automobilística” e passa a se orientar para atender à demanda do público trazendo soluções diversas. Essa mudança parece sutil e até óbvia, mas ela muda o jogo. Ela destrava mercados e abre espaço para a inovação.
O que isso muda na prática?
Dos conglomerados para os ecossistemas
Até hoje, um dos sinônimos de diversificação nos negócios era o formato dos conglomerados, ou ter diversas empresas com atuação em diferentes mercados embaixo de uma única holding.
Um exemplo disso são os zaibatsus, conglomerados familiares que ficaram famosos no Japão, tendo como guia a verticalização e diversificação de negócios. A Mitsubishi é um caso assim, sendo guarda-chuva para mais de 1.000 empresas, produzindo desde carros até papel.
Nos zaibatsus, as empresas são grandes unidades de negócio, que operam de maneira separada e são parte do mesmo grupo para reduzir custos e diversificar a operação.
Mas com a nova lógica de atuação que traz o consumidor no centro, o valor está no entre: nas sinergias entre os negócios. Ela é a chave para rentabilizar e otimizar a operação, gerar valor e entregar para o consumidor uma experiência end-to-end e sem fricção.
Em suma, estamos saindo da era dos conglomerados, com foco no negócio, e entramos na era dos ecossistemas, com foco no consumidor mesmo. Como disse Eddie Chiu, sócio e consultor da Deloitte na China: “O ecossistema enfatiza a interação entre diferentes organizações e indivíduos, destacando a coexistência e interdependência".
No mundo dos ecossistemas, a soma das partes é maior do que o todo. A McKinsey, por exemplo, prevê que, em 10 anos, as empresas não vão mais concorrer com seus pares da indústria, mas sim com ecossistemas de negócios com dimensões diferentes.
Em todo o mundo vemos exemplos de varejistas com essa nova lógica de atuação. Como a Paytm, da Índia, que começou como uma carteira digital e hoje é um one-stop-shop de varejo e serviços financeiros com mais de 320 milhões de usuários. A Paytm tem como missão estar presente em todos os momentos em que o seu cliente precisar de dinheiro.
Outro exemplo é a Suning, que tem raízes no varejo físico e se verticalizou com serviços de logística, financeiros e tecnologia. Hoje, ela já atua em segmentos como imóveis, entretenimento e esportes.
Já a Rakuten tem hoje 1,3 bilhão de usuários em todo o mundo. Eles possuem um único ID em todos os seus negócios, que vão desde varejo até seguros, entretenimento e esportes. Com essa sinergia, eles minimizam o custo de aquisição de clientes e maximizam o lifetime value.
As 4 premissas de atuação em “e”
Olhando para os vários ecossistemas existentes, identificamos alguns padrões que vamos chamar de premissas de atuação em “e”. São elas:
O primeiro "e" é o de equilíbrio. Segundo essa premissa, nem todos os negócios têm como principal valor gerar lucro, mas todos têm um papel essencial no ecossistema.
Vemos isso no Hamma, a rede de supermercados do Alibaba na China. O Hamma não nasceu para ser um grande gerador de lucro, mas ele tem três papéis fundamentais:
- fortalecer a estratégia do “novo varejo”, que pretende integrar online e offline;
- ser um grande gerador de inteligência sobre comportamento do consumidor;
- ajudar na expansão do Alibaba em diferentes serviços, como Food Delivery.
Eles começaram a operar em 2016 e hoje têm mais de 160 lojas em 21 cidades. Até 2030, serão mais de 2 mil lojas em 200 cidades.
Esse papel é orgânico e pode mudar ao longo do tempo. O Mercado Livre, por exemplo, criou serviços como logística e finanças para dar suporte a sua operação de marketplace. Com o tempo, esses serviços cresceram para fora do negócio e se tornaram importantes geradores de receita. Em 2018, a receita, somada aos outros negócios, superou a do marketplace.
Atuando em curto e em longo prazo
Esse ponto nos leva para nossa segunda premissa em "e": a visão de que curto e longo prazo convivem e se complementam. É como se o curto prazo fosse uma primeira colheita, que prepara o solo para as seguintes (longo prazo).
Vejamos, por exemplo, a Pinduoduo, fundada em 2015 e que hoje é o 2º maior e-commerce em número de usuários na China, e que segue crescendo a uma taxa de 88% ano sobre ano.
A sua estratégia foi focar em mercados relevantes, mas pouco explorados. O que lhes dá escala são “pequenos”: vendedores de menor porte que vendem para moradores de pequenas cidades, que por sua vez fazem compras com ticket médio baixo. Mesmo com o sucesso, eles ainda não geram lucro, e isso faz parte da estratégia. Agora eles já estão descobrindo, ao longo da jornada, como rentabilizar o modelo de negócio.
A “coopetição” trazendo resultados
É difícil uma empresa ter a expertise de toda a cadeia para levar uma solução holística ao consumidor. Devido a exemplos como o meu, de corredora e consumidora que tem uma jornada fragmentada, as empresas estão revendo as fronteiras de competição e colaboração.
Assim, para entregar soluções mais completas as empresas agora competem e colaboram –nossa terceira premissa em “e”.
É o caso da Suning e do Alibaba, que fizeram uma parceria em 2015. A Suning deu para o Alibaba a estrutura offline e a presença no mercado de eletrônicos, enquanto o Alibaba deu à Suning estrutura e presença online, desde logística até pagamentos.
No Brasil, um exemplo é a parceria entre Carrefour e Magazine Luiza, que adotaram a estratégia store-in-store, com o Magazine Luiza abrindo lojas dentro do Carrefour para vender eletrodomésticos, eletrônicos e celulares.
Essas parcerias foram formadas para potencializar a sinergia entre os diferentes negócios. É o que chamamos de "coopetição".
Olhar end-to-end
A última premissa da atuação em "e" é a visão da experiência do consumidor no centro de tudo. O olhar end-to-end, que pensa não somente em como atrair, mas também em como reter o cliente.
Nessa perspectiva, o entretenimento está cada vez mais presente na proposta de valor dos varejistas. É o caso da Rakuten, que o usa na captação e retenção de clientes, mantendo-os engajados e ativos. O entretenimento também é central na proposta de valor e fidelização do Amazon Prime e para varejistas como a Pindoudou, cuja ambição é ser uma combinação da rede americana Costco com a Disney.
Também participam dessa experiência end-to-end os meios de pagamento digitais. No início, seu objetivo era diminuir o atrito entre vendedores e consumidores. Hoje, eles acabam com os intermediários nas transações, reduzindo custos e fricções e gerando inteligência em toda a jornada, seja ela online ou offline. Hoje, Índia e China lideram o mercado de pagamento por aproximação, que cresce no Brasil. Aqui também vivemos um grande boom de carteiras digitais.
Para esses modelos, grandes datas como a Black Friday são portas de entrada importantes para novos clientes nos ecossistemas.
E que porta é a Black Friday! Somente em 2019, teremos três estreias importantes nessa data, que dão uma ideia do universo de pessoas a serem conquistadas e retidas pelas marcas:
Tecnologia como viabilizador e mindset de mudança como catalisador
Quando olhamos para essas quatro premissas de atuação em “e”, vemos um denominador comum: a tecnologia como grande viabilizador. Ela é o fio condutor que confere inteligência e permite a sinergia entre os negócios.
Mas sabemos que a tecnologia é um viabilizador que precisa ser alavancado pela mentalidade de mudança nas empresas. É um mindset que entende que, em um contexto em transformação, é preciso criar disrupções que geram valor, com agilidade e escala. E uma vez incorporado esse mindset, sempre devemos nos perguntar: qual é a próxima disrupção?
É essa mentalidade que nós do Google levamos a nossos clientes e parceiros. É em momentos como a Black Friday, com o peso que ela tem para o público e com o volume de negócios que ela proporciona, que vemos oportunidades únicas de mudar o rumo das nossas operações. Essa é a hora, para o Google e para os varejistas, de entender a importância dos ecossistemas e de chegar ao nível seguinte nos nossos negócios, seja na Black Friday, seja no ano todo.