Primeiro, veio o carnê da prestação do fogão novo, da geladeira, da TV de plasma, do sofá, dos aparelhos de som e DVD, todos comprados pessoalmente em uma loja de bairro ou do centro da cidade. Até que o primeiro computador entrou em casa, também parcelado em várias vezes, e abriu as portas da classe C para um universo de possibilidades ainda não explorado:, a internet. Desde então, muita coisa mudou. A porta de entrada já é o smartphone e se tornou impossível falar do universo digital brasileiro sem conhecer a fundo a classe C, ou melhor, os novos donos da internet. Eles representam 54% dos brasileiros on-line e são o tema do novo estudo do Google “Classe C, de Conectados”, em parceria com o Instituto Data Popular.
A inclusão social na internet é fato, veio para ficar e transformar o jeito das pessoas e das marcas se relacionarem. Já são mais de 48,3 milhões de usuários da classe C no Brasil, superando a população digital de países como México e Itália, até mesmo o total de habitantes do Canadá. São pessoas que estão buscando, assistindo conteúdo, comentando e compartilhando informações nos mais variados formatos, canais e dispositivos.
Seria de esperar que, com tudo isso, novos fenômenos surgissem e com eles uma série de quebras de paradigmas que chacoalhassem os conceitos e os preconceitos. O que de fato ocorreu. Hoje, a classe C é o segmento mais poderoso da internet brasileira, ocupando a maioria absoluta dos acessos à rede.
Para se ter uma ideia, em menos de uma década, enquanto a população brasileira cresceu 10%, a classe média emergente brasileira cresceu 204%, ultrapassando em mais da metade o número absoluto de pessoas das classes AB.
Tamanha mudança pode ser vista como desafios e oportunidades para as marcas. Afinal, os novos donos da internet movimentam 495 bilhões de reais em renda própria por ano. O valor é maior que o consumo das famílias da Suíça ou de Portugal. Uma cifra como essa é grande o suficiente para tornar qualquer grupo influente, não apenas sobre a ótica do mercado, mas também pelas lentes da cultura e do comportamento.
Livre de preconceitos, a internet abre portas para uma nova relação de isonomia entre classes sociais. Onde as influências se misturam de modo orgânico e dão origem a novas expressões. Batizado de fenômeno “unclassed”, essa mistura “hi-low” dita o tom das novas experiências no universo digital.
Um exemplo curioso dessa mistura é o sucesso contagiante dos MCs. Se existe alguém que ainda não ouviu falar do MC Guimê, uma das estrelas do funk ostentação, das periferias paulistanas, certamente não ficará imune por muito tempo. O baixista do grupo americano Red Hot Chilli Peppers, Flea, conhece e até tocou um trecho da música “Plaquê de 100” do funkeiro em um vídeo postado no ano passado. No mesmo ano, Guimê se torna sensação nacional com a música "País do Futebol", que passa a ser tema da novela Geração Brasil, da TV Globo, e vira uma espécie de hino em ano de Copa do Mundo. O vídeo, com participações do rapper Emicida e do jogador Neymar, já alcançou mais de 48 milhões de visualizações no YouTube.
Algumas marcas estão se jogando de cabeça nessa mistura unclassed. É o caso de Veja, da Reckitt Benckiser, que, para comemorar seus 45 anos de marca, produziu um clipe exclusivo para o YouTube com a funkeira Valesca Popozuda. O resultado é um hit com mais de 7 milhões de visualizações até o momento.
A classe C mobile
Ninguém mais, ou pelo menos quase ninguém, compra um smartphone hoje em dia apenas para fazer chamadas telefônicas. Desde que esses pequenos aparelhos foram dotados de inteligência, tornaram-se verdadeiros objetos de desejo, arriscando dizer “quase adoração”. Para muitos, é praticamente um item de necessidade básica, sem o qual não se vive bem, nem se está completo. A estimativa é que até 2020 cerca de 80% da população adulta do planeta tenha um smartphone, segundo reportagem de fevereiro deste ano da revista The Economist. Com a classe C não poderia ser diferente.
O avanço tecnológico dos smartphones, aliado à elevação da renda e o acesso ao crédito mais fácil, tornou esse desejo possível e, em pouco tempo, quase metade dos internautas (47%) possuem smartphones, número que cresce a cada dia. Essa explosão tecnológica ao alcance das mãos valorizou ainda mais a mobilidade. Os planos de telefonia móvel se adaptaram ao bolso dos planos pré-pagos. Em pouco tempo, a classe C também passou a ver a vida pela pequena tela dos seus companheiros de bolso com mais frequência.
O resultado disso é que o desktop deixou de ser o dispositivo que oferecia a primeira experiência com a internet. Esse papel foi passado aos smartphones que, de modo geral, são mais baratos que os computadores de mesa ou tablets. A tendência é que isso seja mais comum, principalmente entre os jovens, que ganharam ou compraram o celular antes mesmo do computador.
O que contribuiu para que o acesso à internet se tornasse uma rotina diária para a maioria foi, exatamente, a facilidade de manusear e de levar esses dispositivos para todos os lugares.
Para as marcas, portanto, ingressar em conteúdos presentes em plataformas e formatos responsivos passa a ser determinante para atingir um público, cuja disposição é se tornar ainda mais mobile. Outro desafio é atrair a atenção desse pessoal que se divide em telas. Um estudo recente realizado pela Global Web Index apelidou o país de “a nação de second-screeners”, ao afirmar que 86% dos brasileiros usam o smartphone enquanto assistem TV.
Para entender mais sobre engajamento via mobile, leia nosso artigo “Apps: o desafio além do download”.
O comportamento digital da classe C
Quem anda de ônibus, trem ou metrô certamente já viu essa cena. Pessoas sentadas, ou em pé, de cabeça baixa teclando, ouvindo música, jogando, assistindo a um capítulo da novela ou à partida de futebol e, claro, conversando nos seus smartphones. Seja em casa ou na rua, eles estão sempre conectados. Já são 46% de heavy users da classe C.
Mas isso não os faz experts em tecnologia. Uma das conclusões do estudo é que o baixo repertório da vida fora da internet, leia-se baixa escolaridade, tem um impacto direto no comportamento on-line. Isso implica na construção de conteúdos e mensagens audiovisuais com maior uso em português do que inglês.
Podemos dividir as atividades dos novos donos da internet em três pilares fundamentais:
• Comunicação - Como se expressam?
Chega de passividade, a Classe C chegou no digital para participar. Shares, comentários e trocas de mensagens instantâneas estão no topo das atividades desse público, com 85%. Na opinião de especialistas, diferentemente do papel que a TV desempenhava na informação e na formação de opinião, a internet é a vitrine pela qual as pessoas se mostram e expressam seus gostos e opiniões.
• Informação - Como se informam?
81% dos que se identificam como usuários da classe C buscam informação em diferentes plataformas. A internet tem ajudado na ampliação de repertório dos novos donos da internet.
O mobile é a tela protagonista nessa busca incessante por novos conhecimentos.
• Entretenimento - Como se divertem?
A internet também é entretenimento, disputando a atenção do usuário e das marcas com a televisão, o cinema e outras formas de diversão. Os formatos em vídeo são os preferidos da classe C conectada e os canais de humor são responsáveis pelos maiores hits.
O maior representante dessa nova grade de entretenimento on demand é o canal Porta dos Fundos, que está prestes a atingir a meta de 10 milhões de assinantes em seu canal.
Mais do que entender que a Classe C se tornou protagonista no universo digital, as marcas precisam estar atentas aos novos comportamentos e hábitos destes consumidores.
A capacidade da internet de aproximar indivíduos, assuntos e grupos sociais que, fora dela, dificilmente se encontrariam, está provocando uma ruptura na maneira como pensamos os perfis digitais. A questão vai além da discussão prática de canais e se estende para o desafio de comunicar com relevância e aderência para os novos donos da internet.