Anderson Jerônimo é Head de Customer Engineering no Google Cloud. Fernanda Doria é Diretora de Negócios para Médias Empresas no Google. Ambos fazem parte do AfroGooglers, grupo de profissionais negros e apoiadores do Google Brasil.
Muito tem se falado nos últimos anos sobre a contratação de profissionais negros por empresas de todos os tamanhos e segmentos. Programas para atrair esses funcionários estão sendo implementados no Brasil e em diversos países, e é perceptível que há um movimento para que a representatividade no ambiente de trabalho aumente.
No Google mesmo, o programa Next Step, implementado em 2019, foi fundamental para trazer mais diversidade à empresa no Brasil.
Mas para que, além da inclusão, a equidade também seja realmente alcançada no mercado, não basta apenas a contratação desses profissionais: é necessário que eles possam progredir em suas carreiras e chegar a cargos de liderança.
Não podemos desconsiderar, no entanto, que esse é um desafio estrutural. Segundo dados do estudo "Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil”, realizado pelo IBGE, os negros representavam a maioria dos trabalhadores no país (53,8%) em 2021.1 Porém, ocupavam apenas 29,5% dos cargos gerenciais no mercado de trabalho.2
A verdade é que somos poucos líderes negros no mercado. E para que essa realidade mude, é necessário um trabalho diário (e intencional) das empresas para incentivar, formar e acolher os profissionais negros. Neste artigo, vamos compartilhar algumas ações que consideramos fundamentais para garantir que a inclusão aconteça de fato — e algumas experiências que nos ajudaram em nossa jornada de carreira até as posições que ocupamos atualmente.
O poder do acolhimento
Entrar em uma empresa e não encontrar ninguém que se parece com você é, no mínimo, hostil. Pesquisas mostram que uma das principais demandas dos jovens profissionais de grupos minorizados é ter colegas com quem possam trocar experiências e vivenciar os desafios do ambiente de trabalho.
Em 2022, nós participamos de um treinamentodo Google voltado apenas para profissionais negros, e essa foi uma experiência muito rica em aprendizados e conexões. O The Collective (artigo em inglês) tem duração de seis meses e foi implementado em oito países. Além de Brasil e Estados Unidos, profissionais de Austrália, Canadá, Irlanda, Singapura, África do Sul e Reino Unido também podem participar. Esse tipo de fórum é fundamental para fomentar trocas, ampliar perspectivas e inspirar iniciativas que trazem mais reflexão e ação em prol da diversidade nas empresas — nós, por exemplo, embora trabalhássemos no mesmo escritório do Google no Brasil, acabamos nos encontrando pela primeira vez e estabelecendo um canal de troca contínua durante um encontro do The Collective nos Estados Unidos.
Outra forma de encontrar dentro das empresas um lugar de acolhimento e conexão é integrando os ERGs (Employee Resource Group) — também conhecidos como grupos de afinidade. O AfroGooglers, por exemplo, realiza uma série de eventos e atividades para os profissionais negros do Google, seja para desenvolvimento de carreira, formações, ou apenas para incentivar a criação de laços e o fortalecimento da comunidade.
A importância da mentoria
A empatia é uma habilidade muito importante para qualquer profissional, mas principalmente para os líderes. Ter empatia, no entanto, é bem diferente de compartilhar o ponto de vista de uma pessoa. Por isso, ter programas de mentoria de profissionais negros para outros profissionais negros é fundamental.
Quando temos a oportunidade de conversar com alguém que passou por desafios semelhantes e que entende as diferentes formas como o racismo estrutural se apresenta no dia a dia, fica mais fácil lidar e encaminhar essas questões. E o mais importante: não permitir que elas sejam impedimentos para a progressão das carreiras.
No Google, temos, de um lado, programas de mentoria para nossos funcionários, mas também para o público externo por meio de projetos como o Black Founders Fund, uma iniciativa de investimento em startups fundadas e lideradas por empreendedores negros e negras. É uma forma de contribuir para trazer mais diversidade ao mundo da tecnologia onde há um desequilíbrio racial e de gênero.
Letramento racial para todos
A artista interdisciplinar, escritora e teórica portuguesa Grada Kilomba diz que “o racismo é uma problemática branca que força o negro a protagonizar um papel que não é o seu e com o qual não se identifica”. Por isso, o combate a ele precisa ser feito com a participação e envolvimento de todos.
Nesse sentido, o letramento racial se faz mais que necessário para os funcionários de todos os setores e hierarquias. Isso significa conscientizar esses indivíduos da estrutura e do funcionamento do racismo na sociedade para que eles possam reconhecer, criticar e combater atitudes racistas no cotidiano. Dessa forma, é possível gerar consciência, por exemplo, sobre termos que são ditos corriqueiramente no ambiente de trabalho por pessoas brancas, mas que historicamente são usados para marginalizar e inferiorizar pessoas negras.
Essa formação deve ser para todos, já que é fundamental para garantir uma convivência harmônica dentro das empresas. Mas ela é especialmente importante para os líderes brancos, para que eles possam entender como garantir a equidade de oportunidades para todas as pessoas de suas equipes.
Uma jornada diária e de todos
Como profissionais negros e líderes dentro de uma empresa como Google, precisamos fazer reflexões todos os dias e trabalhar incansavelmente para que haja mais cargos ocupados por pessoas como nós.
No marketing e na tecnologia, áreas às quais pertencemos, tivemos poucas referências de lideranças negras em quem pudéssemos nos inspirar ao longo das nossas carreiras. Exatamente por isso, temos consciência sobre a responsabilidade de sermos, muitas vezes, espelho para os jovens profissionais que estão chegando ao mercado.
A progressão dessas carreiras é um dever e uma responsabilidade de todos — e precisa, cada vez mais, ser incentivada de todas as formas possíveis para que possamos construir um futuro que realmente queremos.