Enquanto ainda tem muita gente preocupada com o que as pessoas com deficiência (PCDs) podem fazer, quem de alguma forma está dentro dessa população deseja mesmo é descobrir quais atividades, serviços e produtos estão disponíveis para eles. No meio dessa tensão, fica nítido o poder da afirmação identitária desse público e o quanto precisam ser reconhecidos como uma parcela importante da sociedade.
A tensão citada acima pode ser melhor compreendida a partir de uma análise abrangente feita pelo Google com buscas que utilizam o termo “para” como qualificador da pesquisa. A procura por “mesas para cadeirantes”, por exemplo, é uma afirmação incisiva de que os resultados obtidos apenas com a palavra “mesas” não atenderiam à expectativa do usuário.
Passou da hora de entender deficiência não como sujeito, mas como característica de uma identidade.
Os resultados da nossa análise, no entanto, vão além. Observar as buscas feitas por PCDs mostra como há uma demanda urgente por reconhecimento, espaço e respeito. Operar a partir da premissa apenas do que “podem” fazer, nesse contexto, é como um símbolo do capacitismo: a prática preconceituosa de considerar uma pessoa como útil ou inútil com base no que ela é capaz de fazer.
O “para”, por outro lado, está ligado à liberdade e a como já passou da hora de ver a deficiência não como um definidor de sujeito, mas como mais uma característica dentre tantas que compõem as identidades. Diante disso, o Google analisou como o termo “para” é utilizado nas buscas de mais de 20 países e dezessete idiomas. Aqui está o resultado.
Você está lendo o terceiro de uma série de quatro artigos sobre O poder do “para”. Acesse as outras partes: Artigo 1: Não cabe na caixa; Artigo 2: Meu cabelo é único; Artigo 4 Maduro para minha idade.
A hora da inclusão e o fim do capacitismo
Cerca de 45 milhões de brasileiros possuem algum tipo de deficiência, o equivalente a mais de 20% da população.1 Ainda assim, 51% das PCDs não se sentem representadas em campanhas publicitárias e de marketing feitas no Brasil.2 Esse descompasso explicita o quanto é deixado de lado pela sociedade.
E não apenas como consumidores, mas também como força produtiva. Depoimentos de PCDs mostram o quanto essa abordagem é equivocada. Num relato ao jornal O Estado de S. Paulo, uma mulher chamada Melissa afirma: “Sempre me considerei independente. Hoje, é difícil ter esse sentimento por causa da sociedade capacitista que me considera inútil”.3
Na mesma linha, outros depoimentos confirmam que a exaltação de feitos cotidianos por PCDs também resulta em outra forma de capacitismo. Ou seja, visões reducionistas ou indulgentes incentivam um modelo incapaz de compreender a diversidade dessa população.
PCDs são deixadas de lado pela sociedade. E não apenas como consumidores, mas como força produtiva.
É nesse sentido que a internet aparece como possível espaço de resistência. Buscas com auxílio do termo “para” revelam desde espaços acessíveis até produtos pensados para cadeirantes. Mais um exemplo: no ano passado, pesquisas por “rotina para autistas” aumentaram 45% no Brasil.4
Em contrapartida, buscas de caráter capacitista como “autista leva uma vida normal”, “deficiente auditivo pode dirigir” e “surdo pode trabalhar” apresentaram uma queda de 6%.5
É um recorte pequeno de interesses, mas suficiente para mostrar como PCDs almejam não uma existência marcada por uma deficiência específica, mas sim a possibilidade de estudar, se divertir e viver como o restante da população. Ao mesmo tempo, é necessário compreender que as deficiências são uma característica marcante das suas identidades.
Um mercado ignorado
Em todo o mundo, a população PCD economicamente ativa compreende cerca de 1 bilhão de consumidores, uma fatia da população que ainda não é priorizada pelo mercado.6 Estamos diante de uma grande oportunidade, que afeta inclusive outros públicos, como familiares e amigos.
No Brasil, para ficar no nosso cenário mais próximo, 89% dos consumidores consideram a acessibilidade um fator decisivo na escolha de um produto.7 No entanto, muitas marcas ainda trabalham junto a pessoas com deficiência seguindo o viés assistencialista, com ações filantrópicas e iniciativas que podem até fazer barulho, mas não resultam em inclusão de fato.
Nossa análise sobre as buscas com o termo “para” feitas pela população PCD mais uma vez expressa o desencontro entre o que esse público busca e o que lhe é ofertado. A procura por “brinquedos para autista”, por exemplo, teve um salto de 326%.8
O abismo de interesse entre inclusão e assistencialismo fica ainda mais evidente se a análise de buscas para PCDs incluir outras construções textuais além do “para”. Nesse caso, pesquisas por produtos e serviços voltados à acessibilidade são três vezes mais comuns em relação a temas ligados a algum tipo de assistência.9
Como sua marca pode atuar?
Ser inclusivo também significa implementar mudanças básicas, como recursos de acessibilidade no site da empresa com audiodescrição, legendas e tradutores de libras em vídeos. Além disso, há necessidade de desenvolver produtos e serviços específicos ou adaptados para esse público.
Qualquer marca que investe em ações de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) precisa olhar para dentro e estabelecer transformações efetivas em suas práticas. Respeitar as pessoas com deficiência passa necessariamente por reconhecer seu valor profissional e trazê-las para exercer funções relevantes em suas equipes de trabalho, incluí-las em peças de publicidade e no desenvolvimento de serviços e produtos oferecidos em seu portfólio.
Este projeto contou com o auxílio de Taynah Calixto.