Susana Ayarza, Diretora de Marketing do Google, propõe uma reflexão sobre como os profissionais de marketing podem olhar para data mais romântica do ano como uma oportunidade para começar a se comunicar de maneira mais inclusiva.
Todos os anos, no período que vai do meio de maio e até a segunda semana de junho, a mídia brasileira é inundada com propagandas que pretendem celebrar o amor. Mas que amor é esse? Quem ele representa, afinal? Algumas empresas já começaram a se fazer essas perguntas e modernizar sua comunicação adotando um posicionamento mais diverso e inclusivo, no entanto, ainda temos um longo caminho a percorrer.
Em uma data como o Dia dos Namorados, é natural que a publicidade retrate relacionamentos românticos, mas estamos representando todas as formas de amor? Bem, segundo a pesquisa realizada pela Mind Miners entre os dias 24 e 30 de maio de 2017, o público LGBT+ deixou claro que sente falta de um esforço legítimo para promover a inclusão na propaganda. Os números mostram que 70% dos entrevistados acreditam que as marcas ainda promovem o Dia dos Namorados como uma celebração do amor heterossexual e 78% deles sentem que as empresas têm medo de criar uma comunicação voltada para este público.
"70% dos entrevistados dizem acreditar que as marcas ainda promovem o Dia dos Namorados como uma celebração do amor heterossexual.”
Embora ainda haja muito preconceito e resistência por parte de certos setores da sociedade, o público LGBT+ está cada vez menos disposto a se esconder e mais propenso a exigir o espaço que lhe é de direito. Segundo o último censo do IBGE, os homossexuais representam 10% da população brasileira – oficialmente, são mais de 20 milhões de pessoas. Você pode até pensar: o que são 20 milhões em um universo de 207 milhões de habitantes? Ok, vamos colocar esse número em perspectiva: a população declaradamente homossexual do Brasil é quase metade da população total da Argentina, pouco menos que a população total da Austrália e mais de duas vezes a população total da Suécia. Ainda parece pouco? Esse número provavelmente é muito maior. Atualmente, o censo do IBGE não inclui uma pergunta direta sobre identificação de gênero e orientação sexual – esse número foi calculado com base nas respostas de pessoas que, quando perguntadas com quem viviam, responderam que com um parceiro/parceira e que esse era do mesmo sexo.
Sabemos que campanhas mais inclusivas ainda sofrem resistência dentro do mundo corporativo, mas não faltam argumentos para defender essa estratégia: além de ser a coisa certa a fazer do ponto de vista de uma melhor representatividade da sociedade, também faz sentido para os negócios. Segundo a Out Leadership, associação internacional que desenvolve iniciativas para o público LGBT+, o potencial financeiro deste segmento no Brasil é estimado em 419 bilhões de reais, 10% do PIB do país.
De alguns anos para cá, algumas marcas vêm veiculando campanhas de Dia dos Namorados que questionam o "romantismo comercial de margarina" e defendem que todo amor merece ser celebrado.
Em 2015, a comissão de diversidade e inclusão do Ad Council norte-americano criou uma campanha inovadora para comemorar a data. Usando um "raio-x gigante", a entidade desafiou o público a se conscientizar de seus próprios vieses e preconceitos, mostrando que o amor verdadeiro não enxerga rótulos. O vídeo da ação se tornou um sucesso viral global e acumula mais de 160 milhões de visualizações combinadas.
No Brasil, em 2016, a C&A lançou uma campanha para celebrar a diversidade na data, mostrando de maneira bem humorada que amor é bom de qualquer jeito, inclusive com tudo misturado. Foram mais de 3 milhões de views.
Este ano, para falar do perfume feminino Humor, a Natura mostrou um jovem casal de mulheres dançando e flertando, enquanto a narradora ensinava ao público uma simpatia para amarrar o amor. Mais um hit. O vídeo, publicado no dia 16 de maio, já acumula mais de 4 milhões de visualizações.
É interessante notar que, conforme as marcas colocam a diversidade e a inclusão na sua agenda do dia, a forma de lidar com comentários negativos também evolui. Humor, leveza e um posicionamento de marca claro permitem que elas respondam a reações negativas deixando explícita sua visão sobre questões atuais e, em algumas vezes, até ajudando o público a enxergar o mundo sob outros pontos de vista.
Antes de qualquer iniciativa, é preciso lembrar que a inclusão não deve ser considerada apenas um item no checklist de relações públicas. Quem vai nessa direção acaba construindo uma mensagem rasa e estereotipada. É importante que o discurso seja coerente com todas as práticas da empresa.
Então todas as marcas precisam levantar a bandeira e se tornar porta-vozes ativas de questões relacionadas à diversidade? Acredito que o essencial é que elas percebam o poder e a responsabilidade que têm para criar um novo retrato da sociedade, com visibilidade e reconhecimento para todas as pessoas. E a propaganda pode ser um bom começo.