Você já imaginou que para os negros a inclusão no mercado de trabalho pode ser mais urgente do que discutir o próprio racismo? E que o feminismo negro é uma das três maiores prioridades tanto para mulheres como para homens negros, sendo ainda mais relevante para elas? Esses foram alguns dos pontos revelados por um estudo feito pelo Google em parceria com o Instituto Datafolha e a Mindset-WGSN.
Pensando que o Google é feito para todo mundo, é essencial entender o que pensa a população negra do país – quase 60% dos brasileiros – a respeito de suas urgências e realidades. Foram ouvidos especialistas, criadores, estudiosos e pessoas de diferentes idades, classes sociais e regiões do país – todos negros – para entender melhor quais são os temas mais urgentes quando falamos do assunto no Brasil.
A expectativa é que esse conhecimento diminua a distância entre o que de fato importa para a população negra e o que vem sendo discutido. É importante também repensar o papel que as marcas podem exercer, construindo pontes e ampliando seu raio de atuação como uma força positiva e transformadora.
Um dos primeiros pontos de atenção da pesquisa – e é importante começar por aqui para entender o todo – é justamente sobre o termo "negro". Apesar de não constar como uma classificação oficial – para o IBGE, os brasileiros são pretos, pardos, brancos, amarelos ou indígenas –, "negro" vem sendo adotado de forma crescente, especialmente entre os mais jovens.
Nas entrevistas, notamos uma mudança importante quando foi introduzida a opção negro aos entrevistados. De 31% das pessoas que se autodeclaram como pretas ao IBGE, saltamos para 46%. Ou seja, isso demonstra que as pessoas estão mais propensas a se declarar como negras do que como pretas, e isso acontece inclusive entre os autodeclarados como pardos.
Mas por que a classificação muda quando o termo negro passa a ser uma opção na autodeclaração? A pesquisa identificou que o nível de conforto aumenta a partir do momento em que a opção é apresentada. E os motivos vão muito além do fenótipo e da cor da pele. Ser negro intensifica a valorização da própria herança. Envolve orgulho, senso de pertencimento, resgate da autoestima, busca por ancestralidade. É um processo cultural de descoberta e empoderamento.
Tanto que para quase todos os entrevistados o Dia da Consciência Negra é uma oportunidade para exaltar heróis e heroínas negros – modelos positivos que podem e devem servir de inspiração – que foram esquecidos na História.
Para 78% das pessoas negras, o YouTube é um lugar onde encontram conteúdo relevante para entender a própria história. No vídeo "Tour pelo meu rosto", Gabi Oliveira, do Papo DePretas, mostra como e quando se deu conta de que sua beleza era diferente da mostrada pela mídia. No documentário Negritudes Brasileiras, feito para o projeto Creators For Change, Nátaly Neri traz diversos jovens contando como aconteceu a jornada de identificação racial para eles.
Uma vez compreendido o termo negro como parte de um processo de construção de identidade, os passos seguintes foram mapear as principais pautas dessa população e entender o nível de urgência de cada uma delas.
Para chegar aos temas mais relevantes, foram feitas conversas qualitativas ouvindo especialistas, pessoas negras dos mais variados perfis e criadores do YouTube com canais relacionados à pauta. Já na pesquisa quantitativa, homens e mulheres autodeclarados pardos e pretos com variações de região, idade e classe social apontaram o nível de urgência percebido de cada uma dessas pautas.
Uma das descobertas mais importantes foi que nem sempre o que é discutido é tão relevante para a população negra. Ao mesmo tempo, assuntos que deveriam ser tratados com urgência não são prioridade em algumas discussões. Abaixo, podemos ver a diferença entre o que é relevante e o que deveria ter mais visibilidade no debate público.
De acordo com os entrevistados, estes são os cinco temas que deveriam ser os principais focos de conscientização e ação:
É a primeira urgência apontada pelas pessoas negras entrevistadas. Elas acreditam que o tema é muito menos discutido pelo restante da população do que deveria. Entre os homens é ainda maior a percepção de que pouco se fala sobre emprego. E mesmo quando eles estão inseridos no mercado, há uma diferença abissal de remuneração entre brancos e negros: estes últimos ganham cerca de 60% da média salarial dos primeiros.
Essa urgência se baseia em como os negros se sentem representados na política e em campanhas publicitárias. Para 63% dos entrevistados, a história da África e a construção da identidade negra são mostradas de forma limitada e estereotipada ou não são nem mesmo mostradas nas escolas brasileiras. Já para os jovens entre 16 e 24 anos, essa questão é ainda mais forte: o racismo estrutural e institucional é a urgência número um.
Mesmo sendo a maioria da população, as mulheres negras estão em desigualdade em todos os indicadores – realidade que é reconhecida e também ocupa o mesmo lugar no ranking entre os homens.
Outro tema que aparece com mais urgência entre os jovens do que entre os mais velhos, o genocídio ocupa o quarto lugar no ranking geral. Os números mostram que as maiores vítimas de homicídio no Brasil são homens negros de 16 a 34 anos. Aqui não há uma variação significativa entre a percepção de homens e mulheres sobre o tema, mas o nível de urgência é proporcional ao nível de escolaridade dos entrevistados: quanto mais educação formal, maior o sentimento de que é preciso intervir.
Mesmo que essa pauta ocupe o quinto lugar no ranking, os entrevistados acreditam que as políticas afirmativas são mais discutidas do que urgentes. Aqui, o nível de educação formal também aparece como um recorte relevante: a preocupação com o tema cresce à medida que a pessoa é mais escolarizada.
Para quase 90% das pessoas negras, a luta contra o racismo não é exclusivamente dos negros, ou seja, pessoas brancas também devem ter um papel ativo. Pensando que 68% não se sentem representados pelas marcas de modo geral, essa percepção pode se tornar uma oportunidade para melhorar também as conversas e ações promovidas por empresas e marcas. Mas qual a melhor maneira de se envolver? Um ponto de partida pode ser a frase da ativista americana Angela Davis:
Ou seja, é preciso se engajar com atitudes proativas.
No Google, o caminho tem sido olhar para tudo isso e desenhar direcionais e planos de ação baseados em cada um dos pontos. Conhecer as urgências gera perguntas objetivas: quais delas se relacionam com os valores e propósitos da sua marca? Onde existe mais espaço e possibilidade para contribuir? O que pode começar a ser feito, ou mesmo deixar de ser feito, para impulsionar a transformação?
Parece óbvio, mas é sempre necessário apontar: pessoas negras precisam ter os mesmos acessos e oportunidades que pessoas brancas têm. Vai lançar uma campanha nova? Já pensou na proporção entre pessoas brancas e negras envolvidas em todo o processo - da produção ao casting? Na verdade, proporcionalidade é uma questão que vai além do equilíbrio numérico: se relaciona também com os perfis que mais têm espaço em comparação aos que menos se sentem inseridos. Entre a população negra, há uma infinidade de perfis, tons de pele e biotipos que dificilmente são considerados em um primeiro momento: negros de pele mais escura, nerds, roqueiros, cientistas, os da comunidade LGBTQIA+ e tantos outros exemplos.
Discutir comportamentos e práticas racistas normalizadas entre amigos, familiares, colegas de trabalho e funcionários tem que ser uma prática diária. Sua empresa tem um comitê que gera debate e busca informar sobre a importância de ter um ambiente verdadeiramente inclusivo?
Incutir diversidade no modus operandi de uma empresa muitas vezes pede mudanças na forma de pensar e nos comportamentos habituais. Isso pode exigir que processos e maneiras de agir sejam reformados, dando mais espaço para a contribuição de indivíduos diversos e permitindo a todos que desenvolvam novos hábitos. O que vale fazer diferente dentro da cultura da sua empresa? O que precisa ser reforçado ou revisitado?
Uma pesquisa1 feita em seis países, incluindo o Brasil, mostra que ter equipes com líderes etnicamente diversos aumenta em 33% a possibilidade de a empresa superar seus pares em lucratividade. Por outro lado, quem não tem equipes diversas geralmente é punido com lucros 29% inferiores aos de seus pares do setor. O ímpeto é social, mas os argumentos também podem vir dos resultados de negócios.
Um novo ano acaba de começar e, para haver mudança real, é preciso que essa discussão aconteça todos os dias. Ela precisa deixar de ser pauta apenas de novembro, Mês da Consciência Negra. Para 87% dos entrevistados, ela deveria acontecer o ano todo, tendo sempre a perspectiva da população negra como ponto de partida.
Seja para gerar mais reflexão, planejamento ou ações efetivas, as prioridades devem estar alinhadas às urgências reais de quem é afetado por isso diariamente. Como é um trabalho constante, o Google vai lançar, nos próximos meses, mais dados e aprendizados sobre a questão, inclusive com um foco especial nas mulheres. Aguarde.