Em junho, as praias da Riviera Francesa fervem. Mas não apenas com o calor do verão e o brilho dos turistas. É o mês em que a energia criativa de profissionais de marketing do mundo inteiro toma conta da região, transformando Cannes em um caldeirão de ideias e inovações. Tivemos o privilégio de mergulhar nesse universo efervescente, com destaque para dois temas que dominaram as discussões.
Primeiro, se tornou mais clara a compreensão do que constitui uma campanha baseada em IA digna de reconhecimento. Segundo, se solidificou o consenso de que, por mais avançadas que sejam as ferramentas de IA, elas continuam sendo apenas ferramentas, cujo potencial é aproveitado (ou desperdiçado) por talentos humanos.
E para resumir o impacto dessas percepções no dia a dia dos profissionais de marketing, reunimos, abaixo, os principais aprendizados que trouxemos na bagagem de Cannes Lions 2024.
1. O crescimento continua em foco, mas a forma para chegar lá mudou
Na agenda dos líderes de diversas empresas o foco no crescimento orgânico do negócio — aquele que não depende de aumento de preço — é prioridade. Mas no cenário atual, de pós-cookies, esse avanço pode ser mais complexo. Mais do que nunca, é necessário ter uma base de dados robusta aliada à IA. Isso permite que as marcas estudem o comportamento de seus consumidores em larga escala. Todas querem enriquecer o relacionamento com seus clientes, mas por mais que a inteligência artificial torne esse processo mais fácil, a abordagem precisa ser humanizada. E isso pode significar uma interação offline entre empresa e consumidor para obter a verdadeira essência do momento. É preciso enxergar os consumidores como pessoas, não só como clientes.
2. Crie conexões que emocionem o seu público
Uma expressão que ouvimos com certa frequência é 'everyday moments' (momentos cotidianos em português). A frase se refere a como as marcas podem fazer parte de momentos especiais e leves que acontecem no dia a dia das pessoas, seja no imaginário ou de forma prática. Ao encontro dessa tendência, veio a estreia do humor como nova categoria da premiação, que recebeu 798 inscrições. Em seu painel, o ator norte-americano Kenan Thompson, do programa de TV Saturday Night Live, falou sobre como o humor é um dos maiores conectores nas relações. Esse foco na emoção e em estar presente em momentos especiais também se alinha à busca da indústria pela abordagem humanizada entre empresas e consumidores.
3. Rumo ao ápice da personalização durante as compras online
Cada compra é única e, por trás de cada uma, há um indivíduo com desejos e necessidades singulares. É justamente por isso que a personalização nas compras online é essencial para lidar com o consumidor atual. Uma das maiores tendências que vimos por lá é a do conteúdo criado por IA e que pode ser adaptado em tempo real de forma dinâmica. Assim, os clientes recebem as informações mais relevantes na hora certa. E com isso, as marcas ganham mais engajamento.
4. Ter uma grande ideia é fácil, difícil é executá-la
A IA continuará a expandir os horizontes, seja para a pessoa que quer facilitar seu dia a dia, o profissional de criação que quer tirar uma ideia do papel ou para o negócio que visa ampliar seu alcance. Esta é uma tendência pontuada por diversos líderes, como a Vidhya Srinivasan, VP e General Manager de Ads do Google. Não importa o quanto a inteligência artificial evolua, a tecnologia não possui a mesma criatividade da pessoa que está no comando — mas ela abre as portas para expandir o potencial e permite colocar em prática ideias que eram difíceis de serem executadas.
5. Agora é a hora de repensar o processo criativo
Na edição de 2023 de Cannes, muito se ouviu falar sobre IA, mas os trabalhos apresentados ao júri encontraram um ceticismo. Neste ano, o tema chegou de fato aos concorrentes à premiação e tivemos os primeiros reconhecimentos às marcas que abraçaram a tecnologia profundamente. As ferramentas de inteligência artificial generativa introduzem novas possibilidades aos profissionais na área de criação. Nesse aspecto, as marcas que saíram na frente foram as que organizaram times para se dedicar à exploração do que é possível alcançar com as variações de IA disponíveis no mercado.
Foi o caso da Orange e da Pedigree. A Orange Telecom, levou o Grand Prix de Entretenimento para Esporte com uma campanha para a seleção feminina da França. A campanha apresentou jogadas da seleção feminina, mas com uso de IA substituiu a fisionomia das jogadoras por jogadores franceses famosos, revelando só posteriormente o truque. A técnica, também conhecida como deepfake, destacou o talento da seleção feminina. A campanha promoveu a Copa do Mundo Feminina de Futebol, mas também questionou a visibilidade, o reconhecimento e desafiou as percepções sobre igualdade de gênero no esporte.
Já a Pedigree, vencedora do Grand Prix de Outdoor, utilizou diversas funcionalidades de inteligência artificial para criar a campanha 'Adoptable' (adotável em português). A campanha, que é perene, transforma fotos básicas de cães que estão esperando para serem adotados em imagens com qualidade de produção em estúdio. Essas renderizações generativas foram usadas em anúncios da marca para direcionarem as pessoas às páginas de destino dos cachorros. A campanha vai além da venda de produtos, cada peça da marca se tornou uma oportunidade de dar um lar para um cão. O uso da IA, aliada à criatividade dos times envolvidos, permite a Pedigree ajudar no combate do abandono animal, gerando um impacto real na vida dos cachorros e das pessoas que os amam.
Uma coisa ficou clara quando o assunto é inteligência artificial: se 2023 foi o ano do hype, 2024 é sobre o “help” e sobre o “how”, ou seja, sobre como colocar a IA para trabalhar para o seu negócio. Já estamos curiosos para ver os resultados que a temporada 2025 de Cannes reserva para a indústria criativa e do marketing.