Especialista em economia comportamental e CEO da Brain Squad, Ligia Gonçalves mostra como é possível influenciar nossas decisões no universo dos apps
Falar para desenvolvedores sobre a retenção de usuários tendo como base o UX (user experience, ou "experiência do usuário") é cair em um lugar comum. Por isso, alguns ensinamentos da economia comportamental (behavioral economics) podem trazer uma nova perspectiva sobre como os usuários pensam e fazem escolhas e ser bastante insightful para a geração de ideias e intervenções que ajudem no engajamento e experiência dos usuários.
De maneira simplificada, a teoria une conceitos de diferentes áreas de conhecimento a fim de entender — e até prever — como funciona o processo de tomada de decisão das pessoas.
Através de uma série de experimentos, cientistas comportamentais demonstraram que nós somos muito menos racionais do que gostamos de acreditar. E isso acontece porque o nosso cérebro é operado simultaneamente por dois sistemas: o 1 (intuitivo) e o 2 (racional). Segundo Daniel Kahneman, pesquisador da economia comportamental, o Sistema 1 é rápido, está permanentemente ligado, consome pouca energia e não requer esforço. E é justamente o que chamamos de intuição — e não o lado racional — o sentimento responsável por nossas escolhas diárias.
A boa notícia é que nossos comportamentos “irracionais” não são aleatórios, tampouco sem sentido. São sistemáticos, repetitivos e, portanto, previsíveis.
O que a economia comportamental propõe é, a partir da compreensão dos vieses a que nosso Sistema 1 (intuição) está sujeito, a elaboração de “Nudges”, que são pequenas intervenções como reforço positivo e sugestões indiretas para driblar vieses, conquistar a atenção do seu usuário e influenciar o seu comportamento.
Esse conhecimento relacionado à teoria oferece uma vantagem única para quem busca oferecer uma melhor experiência para o público do seu app.
Quer saber por onde começar? Relacionamos 5 aprendizados que podem ajudar sua marca a entregar uma experiência cada vez mais intuitiva.
1. Simplifique as opções do seu app
Nosso cérebro é preguiçoso, e fazer escolhas consome energia. Dependendo da escolha em questão, às vezes a quantidade de opções funciona como um inibidor da mesma. Isso é especialmente verdade para categorias de baixo envolvimento emocional (ex.: gôndolas com muitas opções de geleia vendem menos que gôndolas com menos opções de geleia) ou complexas (investimentos, planos de previdência, seguro).
Daí a lógica de escolhas reduzidas. Limitar as opções e oferecer pacotes ou ofertas pré-formatados torna a decisão mais fácil para o usuário. Apontar qual a opção mais escolhida é outro "Nudge" bastante efetivo. Vale também apresentar as opções de uma forma que seja mais fácil para o usuário saber qual a mais adequada à sua necessidade, possibilidade ou mood.
Como no exemplo de apps focados em food service, como os que oferecem guias de restaurantes e bares, e que também reúnem estabelecimentos cadastrados baseados em outras categorias de escolha, indo além do tradicional tipo de comida/cozinha.
2. Um clique para um onboarding eficaz
Sabemos que 1 segundo a mais esperando o site mobile carregar é o suficiente para uma pessoa desistir de uma compra. Aqui, vale aplicar a regra de ouro da simplicidade: menos é mais. Elimine tudo que não for essencial na hora de tomar decisões para o seu aplicativo. Pense em táticas como one click check out ou pagamento atrelado ao cartão de crédito — como acontece em apps de mobilidade urbana, por exemplo.
3. Testes gratuitos podem envolver e fidelizar pessoas novas
Os testes gratuitos oferecem a chance de o usuário experimentar e se acostumar com o serviço do seu aplicativo. Apps que ajudam o usuário a alcançar o autoconhecimento podem solicitar que você preencha um questionário simples para produzir, gratuitamente, um diagnóstico psicológico. É justamente esse diferencial que aumenta o envolvimento com a plataforma.
4. Transforme metas de longo prazo em etapas fragmentadas
Quer ler mais? O que parece mais fácil: 12 livros por ano ou 1 livro por mês? Apostar em metas fragmentadas pode trazer vantagens práticas nas estruturas de incentivo. Isso acontece porque metas com marcações evolutivas nos fazem avançar mais do que um objetivo maior no futuro. Essas dicas são especialmente valiosas para apps cujos benefícios poderão ser vistos a longo prazo, como os de aprendizado de línguas e de exercícios físicos.
5. Entenda como seu usuário tem aversão à perda
Somos mais propensos a tomar uma atitude para evitar uma possível perda do que para incorrer em um possível ganho. Esse sentimento de loss aversion ("aversão à perda", em livre tradução) funciona bem em aplicativos de recompensas. Apps de ensino de línguas, por exemplo, costumam mostrar aos usuários a quantidade de palavras (vocabulário) adquiridas, o tempo investido no processo, além do progresso até o momento — dados guiados pelo sentimento de aversão à perda, essenciais para o usuário não abandonar o programa.
Exercício constante
Tenha em mente que, para um engajamento sustentável, os testes relacionados às dicas deste artigo precisam ser constantes: o que funciona hoje pode não funcionar amanhã. O trabalho contínuo para manter a boa relação da marca com a audiência é procurar entender como as pessoas pensam e fazem escolhas. Essa é — e será sempre — uma habilidade valiosa.