Maria Clara Fleury é Head de Search Brand Marketing no Google, Claudia Giunta é Consumer Research & Insight Lead e Chris Pinto é Gerente de Marketing para PMEs, além de fundadora e líder do comitê AfroGooglers. Neste artigo, elas contam como o departamento de marketing trabalha seus valores de inclusão e diversidade e compartilham os principais aprendizados pelo qual passaram ao eleger a mulher negra como prioridade.
"Se você não promover a inclusão de maneira deliberada e proativa estará, mesmo que não intencionalmente, promovendo a exclusão." Essa frase do consultor Joe Gerstandt diz muito sobre o trabalho que iniciamos nos últimos anos com diferentes equipes de marketing do Google no Brasil. Tínhamos a consciência de que era preciso dar alguns passos importantes para aumentar a representatividade da população brasileira em nossa comunicação. E isso ficou ainda mais claro com dados de pesquisas recentes, que mostram o quão urgente é esse compromisso de produzir campanhas publicitárias que incluam a diversidade de forma efetiva.
Se investimos para tornar nossos produtos acessíveis para o maior número de pessoas possível, entendemos que a comunicação desses produtos passa a ter um papel fundamental. Pela escala que atinge, ela se torna uma ferramenta de impacto social. Quando usamos nossa comunicação para dar visibilidade a determinados grupos, essas pessoas ganham atenção. Passam a ser devidamente reconhecidas e respeitadas. E é aí que está a força das marcas: pensar em campanhas que provoquem reflexões sobre o status quo, que quebrem estereótipos e tragam uma luz positiva sobre padrões nocivos da nossa sociedade. Mas por onde começar essa jornada?
Três passos até identificar o caminho
Em uma empresa do tamanho do Google, sempre existe o desafio de seguir valores globais olhando para a realidade local. E, especialmente quando falamos de iniciativas de diversidade e inclusão, é fácil cometer o equívoco de buscar uma fórmula pronta, ou de tentar incluir todo mundo de uma vez só. Na prática, aprendemos que não funciona assim.
Nosso primeiro passo foi identificar oportunidades internas, reconhecendo o que seria uma composição de equipe ideal e coerente com a representatividade da realidade do Brasil. Logo entendemos que a mulher negra era a principal urgência. Assumimos que o nosso conhecimento era limitado, e que precisaríamos ouvir especialistas, dos mais engajados com suas próprias causas, passando por acadêmicos e influenciadores (tanto externa como internamente, incluindo o comitê AfroGooglers). Queríamos aprender a enxergar além dos nossos próprios vieses inconscientes. Então utilizamos metodologias de pesquisa para compreender a dimensão dessa necessidade de ser mais inclusivo dentro do contexto do nosso país. E finalmente o terceiro passo foi engajar as pessoas envolvidas, do nosso time e de fora, em um diálogo aberto, criando um ambiente seguro para troca e diálogo.
Cada um dos três passos foi fundamental para apontar o caminho que precisávamos seguir. Percebemos que mesmo entre a maioria de nós havia dificuldade em compreender e aplicar conceitos como privilégio, passabilidade, interseccionalidade, branquitude e tantos outros conceitos importantes que acabamos deixando de fora no mundo corporativo.
Foi aí que elegemos nossa prioridade: garantir a representação da mulher negra, desde a inclusão nas nossas equipes, passando pelas campanhas que colocamos no ar até a escolha de palestrantes para falar em eventos do Google. Os dados que analisamos mostram a urgência dessa priorização.
Em um país onde 56% da população é negra, uma frase da filósofa Dra. Sueli Carneiro foi fundamental para nos alertar sobre essa urgência: "A mulher negra é a síntese de suas opressões, de duas contradições essenciais: a opressão de gênero e a da raça. Isso resulta no tipo mais perverso de confinamento. Se a questão da mulher avança, o racismo vem e barra as negras. Se o racismo é burlado, geralmente quem se beneficia é o homem negro. Ser mulher negra é experimentar essa condição de asfixia social."
Fizemos um trabalho de pesquisa com mulheres negras para entender essa realidade dentro da nossa área de atuação. Além dos nossos próprios filmes, foram avaliadas mais de 70 propagandas – de diferentes indústrias – em que houve um movimento intencional das marcas para inserir a mulher negra em suas narrativas.
O diagnóstico foi muito claro: as mulheres negras que entrevistamos disseram que não se sentiam representadas por nenhuma marca hoje no Brasil, com exceção de algumas marcas de beleza que, na visão delas, já haviam entendido a importância de corrigir essa rota por um interesse comercial.
Ser uma mulher negra no Brasil é lutar constantemente com um processo de autoaceitação e vigilância. É viver todo o tempo sob o peso de dois preconceitos: racismo e machismo.
Há mais conversas hoje a respeito de ser uma mulher negra. Mas a maioria não representa o que é ser negra no Brasil: maior suscetibilidade à violência, difícil acesso à educação e poucas oportunidades de emprego.
Com exceção de algumas marcas de beleza, as mulheres negras não se sentem representadas por nenhuma outra categoria.
Em muitas campanhas, o que se vê são representações estereotipadas e prejudiciais que retratam a mulher negra como inferior, menos capaz, hipersexualizada, exótica e solitária (sem a presença de um companheiro ou, num contexto de maternidade, como mãe solo). Ou até mesmo romantizando sua força e sofrimento (retratando-a como "a guerreira que suporta tudo").
Quando as mulheres negras são retratadas apenas de forma simbólica na comunicação, isso gera a impressão de que foram inseridas apenas para cumprir cotas, o que acaba reforçando a ausência de vínculos emocionais com esse público e impactando indiretamente seu ingresso nos ambientes de trabalho.
Com tudo isso em mãos, a gente traçou alguns direcionamentos que têm nos ajudado nessa missão. Acreditamos que eles podem servir como os primeiros passos para ajudar sua marca a trabalhar em ações para comunicações e projetos mais inclusivos.
Parece óbvio, mas na hora de criar uma campanha é preciso reforçar que mulheres negras também se cuidam e tem vaidades, também passam por dilemas de carreira, também vivem romances. E querem se ver como protagonistas de todas essas histórias – e não como figurantes em histórias vividas por pessoas brancas. Exclua definitivamente os estereótipos de hipersexualização, objetificação e inferioridade. Invista em novas narrativas onde elas são protagonistas sem nunca perder de vista sua voz, seu poder e sua identidade.
Sabe aquela campanha que traz a mulher negra só para preencher uma cota? Isso não cola e gera o efeito contrário, reforçando o quanto a mulher negra não está inserida na sociedade, nas narrativas do mercado e no quão distante a sua marca pode estar da realidade dela. Ou aquela que a traz como protagonista, mas explora o aspecto de "mulher guerreira", batalhando para sair de condições desprivilegiadas? Elas não querem ser representadas apenas pelas dificuldades. Se precisar mostrar a batalha, traga um resultado positivo. Uma lente que mostra a solução e cria um contexto aspiracional. Como qualquer outro público, elas também querem se sentir inspiradas por histórias de sucesso.
Já ouviu falar que existe diversidade dentro da diversidade? Então, esse conceito é chamado de pluralidade. As mulheres negras não são todas iguais. Elas apontam que um dos erros das marcas ao tentar retratá-las é mostrar uma versão negra do padrão de beleza branco. Traços finos, pele mais clara, cabelos com ondas bem definidas. Elas querem se ver como são: altas, baixas, magras, gordas, mais velhas, retintas, cabelos crespos, não binárias.
Os resultados do nosso trabalho até agora
Falamos dos desafios de implementar valores globais localmente em uma empresa com o tamanho do Google, mas é importante também mencionar as inúmeras vantagens. A maior delas aqui, talvez, seja estarmos inseridas em um ecossistema gigante que gera e troca aprendizados em uma velocidade incrível. E essa troca revelou-se um ponto-chave para promover iniciativas de diversidade e inclusão.
Nenhuma marca será capaz de dar conta de tudo sozinha. Sem envolver nossos fornecedores e parceiros, não é possível gerar demandas no mercado para que ele consiga de fato se transformar. Por isso, todos os nossos aprendizados foram compartilhados interna e externamente. Foram mais de 150 pessoas participando de treinamentos. No caso das nossas agências, também fizemos reuniões presenciais para entender como enxergavam o assunto e quais iniciativas estavam realizando do outro lado para que os times tivessem não apenas o conhecimento, mas a diversidade necessária para mover essa mudança.
Para medir o impacto do nosso trabalho, criamos ferramentas que identificam nossa evolução em atributos de diversidade e inclusão – levando em consideração campanhas e outros projetos. Além de urgente para o desenvolvimento da sociedade, essas ferramentas também ajudam a garantir um futuro melhor para as marcas. Em apenas um ano já alcançamos ótimos resultados:
Apesar de a marca Google ter a Diversidade e a Inclusão como valores, este projeto aumentou ainda mais o nosso comprometimento em gerar mudanças em larga escala. Já o expandimos para outras frentes, como iniciativas de capacitação que incluem pontos simples – porém, de grande alcance –, como fortalecer a retratação de mulheres negras importantes para a história brasileira em nossos doodles comemorativos.
Sabemos que não existem respostas prontas, soluções únicas, nem fórmulas mágicas, mas estamos trabalhando constantemente para que isso não pare por aqui. Esse é um verdadeiro processo de autoeducação e de quebras de padrões da nossa forma de trabalhar. Este ano desenvolvemos novos guias e ferramentas para representação das classes sociais mais baixas; e até o final do ano vamos incluir insights também sobre o contexto da comunidade LGBTQIA+. Esse misto de possibilidades e responsabilidades nos motiva e nos convida a continuar aprendendo. E esse é só o começo.